sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Bizus sobre criação de personagens - Parte 2

[And again, these posts will be translated soon]

    Para continuar a conversa que comecei no post anterior [aqui] vou falar um pouco sobre os bizus pra hora de transferir um monte de adjetivos, substantivos e advérbios relacionados ao personagem para o papel. Esta etapa depende muito da criatividade e da capacidade do artista de interpretar e analisar as características dadas ao personagem.


    Ao desenhar um personagem existe mais coisas em jogo do que fazer com que ele tenha uma aparência agradável ou mesmo uma agressiva e "estigada". Como comentado no post anterior, carregamos em nós todas as escolhas que fizemos na vida, e os nossos ideais, traumas e aspirações se refletem diretamente nas nossas aparência e expressão. Qualquer personagem não foge a premissa. Falhar em transmitir estas mensagens é falhar ao projetar o personagem, que se torna, na maioria das vezes, superficial e desinteressante. Não quero entrar no dilema de maior importância do roteiro ou do design do personagem neste post, mas certamente um design mal projetado prejudica a assimilação da história.

2.1) Surpreenda! ou Como eu aprendi a não ouvir pessoas chatas e desinteressantes e evitar semelhanças nos meus próprios personagens.

    Este é um Bizu completamente mamão com açúcar, além de ter um conceito muito fácil de entender. Provavelmente você já conhece a importância do contraste nos valores das cores, na harmonia de cores e formas, na espessura das linhas etc. Acontece que personalidades também são assim, não são compostas por 100%'s. O que eu quero dizer com isto é que ninguém é totalmente apaixonado, totalmente bruto e mortal, totalmente punk ou totalmente qualquer coisa. Isto acontece porque mesmo os mais brutos amam e os mais fracos serão fortes pelo que acreditam. Todos temos aspectos surpreendentes em nosssa composição e é o que nos faz diferentes, não óbvios e interessantes. 

Se você aplicou os passos do post anterior, você provavelmente terminou com uma longa lista de características que representam os aspectos mais importantes do seu personagem. Se você priorizar os 10 mais importantes vai obter algo parecido com isto:

Um jeito bem legal de seguir e criar os contrastes de personalidade é fazer uma lista de opostos. Basta plantar bananeira olhando pra lista pegar esta mesma lista e aplicar antônimos para cada um dos adjetivos, substantivos ou advérbios que foram estabelecidos anteriormente. Claro que nem todos os antônimos não se aplicarão ao seu personagem, mas é uma ótima oportunidade de rever o que foi construído até agora e adicionar alguns contrastes que tornam o personagem mais marcante. O resultado deve se assemelhar a isto:

No caso do exemplo acima, decidi retirar jovem, imbecil, mais novo recruta e desatento pois não casavam com o tipo de personagem que eu planejava criar. Já os outros, além de complementares bastante enriquecedores, adicionam partes de personalidade que haviam ficado escondidas. Para algumas coisas o homem forte e resistente pode ser fraco e frangível, todos temos nossos calcanhares de aquiles.

Lembrando que os antônimos podem servir de contraste de personalidade ou contrastes visuais. Seguem alguns exemplos abaixo:

Samus, a agente de Metroid, tem
uma armadura de detalhes agressivos
e ombros largos, tipicamente masculinos.
Sonic, o Ouriço do jogo de Megadrive,
apesar de extremamente ágil, tem
sapatos grandes e pesados.
House, o personagem da série, tem uma
personalidade tão rígida quanto irônica,
mas é manco.
Finalmente é hora de rabiscar!

2.2) Uma silhueta marcante faz um bom personagem inesquecível.


     É o conselho da maioria dos bons character designers e quem sou eu para dizer o contrário. Depois de ver esta imagem feita pelo Bob Flynn não dá pra negar o fato. Porém, algumas coisas valem a pena serem ressaltadas. À começar pelo uso consciente das mensagens contidas nas formas utilizadas no design. Como há muitas coisas para falar sobre isto, vou passar apenas dois princípios básicos que considero nortes do exercício:

A. Encontre harmonia através de uma variedade de formatos e tamanhos.
     Não se satisfaça com a primeira solução, gere alternativas até que você esteja satisfeito com a harmonia formada (que esteja de fato transimitindo a mensagem correta).

B. Triângulos para perigo, quadrados para estabilidade e circunferências para o inofensivo:

Imagem traduzida do blog TheArtCenter

Não são regras, são princípios. Para mim, é o mínimo necessário para começar a rabiscar conscientemente. Mantenha isto em mente antes de criar a silhueta; Formas passam mensagens de pesado, leve, agressivo, inofensivo etc. antes de qualquer palavra, então pense bem antes de decidir pelo design que você vai levar adiante.

Seguem dois vídeos do Feng Zhu que ilustram muito bem esta etapa:




ATENÇÃO: Se livre da síndrome de Cable. Não adianta sair enchendo o personagem de elementos que você considera legais como capa, um guarda-chuva, mais cintos do que qualquer ser humano precisa, raio laser e asas. O trabalho de construção deve ser consciente e de acordo com o plano que você vém construindo até agora. Não traia os conceitos que você mesmo criou.

2.3) Não perca tempo com vários ângulos de personagem, saiba ilustrar a emoção através dele.

     Normalmente, logo que se define o aspecto geral do personagem, a maior parte dos desenhista que eu conheci vai direto pro turnaround. Não que eu considere um erro, mas existem mais coisas importantes do que saber quantos botões ele tem no bolso de trás da calça. Descubra o seu personagem, busque formas de desenhar ele de um jeito que ele pareça natural. Foque em expressões, naturalidade e poses mais do que em anatomia, iluminação etc. (ao menos neste primeiro momento). 

Obviamente que este tipo de trabalho exige bastante observação de referências e de quebra uma carga de desenho do modelo vivo, mas eis um bizu que pode deixar o trabalho mais simples. Todo personagem tem um Centro de Poder. É o ponto através do qual o personagem alcança maior expressividade. Observe os exemplos abaixo:

Toda movimentação de Charlie Chaplin se origina nos pés.
Logo, é o seu centro de poder.
Já o Pernalonga atinge sua maior expressividade
a partir dos movimentos da cintura. (não, não é gay)

É importante lembrar que o rosto é um micro-corpo, eis outros exemplos:

O Diretor Woody Allen tem nos olhos o elemento mais expressivo.
O que confere um ar mais reflexivo e observador. 

Já Ruffy, a boca. O que garante uma aparência mais instintiva.

Se você ainda está um pouco perdido em relação a todo este assunto confuso sobre Centro de Poder existe uma divisão bem prática para entendimento rápido. 

A) Pescoço e cabeça normalmente são os centros de poder de pessoas que estão sempre observando, liderando e preocupadas com a situação.

B) Peito e ombros geralmente são os centros de poder de pessoas que tem necessidade de auto-afirmação ou costumam intimidar.

C) Barriga e cintura são, comumente, centros de poder de pessoas que são mais ligadas ao lado carnal da vida, como sexo, alimentação etc.

Porém, é necessário refletir muito sobre o personagem e, muitas vezes, buscar as referências na própria vida e testar várias posições e trejeitos diferentes até conseguir revelar o personagem totalmente. De preferência, foque o design do personagem no seu centro de poder.


Agora só de sacanagem eu vou resumir o post inteiro em uma frase: "Procure trasmitir as mensagens visualmente em vez de só deixar o personagem bonitinho". Pronto! 

Aqui termina o segundo post, galera! No próximo falarei um pouco mais sobre refinamento e apresentação.


Segue mais uma nova lista de livros relacionados com o assunto:
The Skillfull HuntsmanKhang Le, Mike Yamada e Felix Yoon
Action Cartooning - Ben Caldwell
Dynamic Characters - Darren Yeow, Bruno Werneck, Bjorn Hurri, Mark McDonnell e David Smit



Mais uma vez espero que tenham gostado!

Abraços!

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